Guaraná Jesus: o famoso refrigerante brasileiro criado por um ateu

Guaraná Jesus: o famoso refrigerante brasileiro criado por um ateu

Segundo a pesquisa desenvolvida pela Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard em 2020, o Brasil figura a décima posição no ranking dos países que mais consomem refrigerante no mundo. Entre as bebidas não alcoólicas, o refrigerante foi responsável por 68,1% das vendas em volume do país em 2020. Estima-se que o brasileiro consome, em média, 14 latas de refrigerante por mês.

O relatório do Painel de Pesquisa do Opinion Box indicou que 20% dos entrevistados afirmam tomar refrigerante diariamente, sendo que 9% deles tomam várias vezes em um mesmo dia. O momento preferido em destaque é o almoço, escolhido por 76% dos entrevistados.

Apesar de a Coca-Cola ser a marca líder no mercado consumidor de refrigerantes, desde 2017, o Guaraná Jesus, então um produto exclusivo de alguns estados do Nordeste até 2016, se popularizou em várias regiões do país. 

E, apesar de seu nome santo, o Guaraná Jesus foi criado por um ateu.

Um idealista

(Fonte: Elir Jesus Gomes/Minha Velha São Luís/Reprodução)(Fonte: Elir Jesus Gomes/Minha Velha São Luís/Reprodução)

A história do refrigerante começou em um pequeno laboratório de São Luís, capital do Maranhão, em meados de 1927, quando Jesus Norberto Gomes criou a fórmula da bebida rosa. Nascido em 1891, em Vitória do Mearim, interior maranhense, ele se mudou para a capital do estado aos 14 anos em busca de emprego e melhor perspectiva de vida.

Ironicamente – ou não –, sua primeira oportunidade foi na Farmácia Marques, onde aprendeu tudo sobre negócios e farmacologia. Tanto que, no auge dos seus 20 anos, Norberto Gomes colocou tudo o que aprendeu em prática – e o que guardou em anos de trabalho – para conseguir comprar uma farmácia chamada Galvão, que o consolidou como empresário.

(Fonte: Língua e Cultura/Reprodução)(Fonte: Língua e Cultura/Reprodução)

Ali foi o ponto de virada de sua vida. Isso porque, foi nos fundos do estabelecimento, que ele começou a criar suas invenções que, com razão, homenageavam a ele mesmo. Assim nasceu o Antigripal Jesus, Xarope Peitoral Jesus e a Jesulina Paste Dentifrícia. Nessa leva de invenções, surgiu o Guaraná Jesus, por ser comum ter refrigerantes à venda em farmácias naquela época.

Mas ele não acertou a fórmula de primeira, criando um refrigerante com um gosto um pouco amargo na opinião dos clientes. Norberto Gomes continuou tentando até que seus netos aprovaram a última versão, feita toda à base de extratos vegetais, inclusive o corante.

O sucesso foi imediato, causando tanta repercussão quanto as crenças do criador, que era ateu convicto e tinha fama até de comunista. E foi isso que o fez ser preso em decorrência da Intentona Comunista, em novembro de 1935, com um grupo de 80 pessoas, e levado até o Rio de Janeiro, onde permaneceu até o ano seguinte.

A revolução

@guaranajesus/Instagram(Fonte: @guaranajesus/Instagram/Reprodução)

Em entrevista à Revista Piauí, em 2007, Fábio Gomes, neto do inventor, revelou que o avô escreveu uma carta-testamento a punho em meados de 1958 pedindo por um funeral modesto, e determinando que o que sobrasse fosse doado ao Partido Comunista.

O homem dizia que não foi socialista porque, infelizmente, foi um idealista. “E como pequeno-burguês tenho defeitos, mas sou admirador sincero desse regime verdadeiramente humano, onde pode ser obtida verdadeira democracia”, disse ele no documento.

Norberto Gomes faleceu em 1963 e, cerca de 20 anos depois, sua família vendeu a marca à antiga Companhia Maranhense de Refrigerantes, na época uma franqueada da Coca-Cola no estado. Demorou até 2001 para que o Guaraná Jesus fosse adquirido oficialmente pela Coca-Cola Brasil e integrasse o portfólio de produtos.

@guaranajesus/Instagram(Fonte: @guaranajesus/Instagram/Reprodução)

Para Rodrigo Assunção, diretor de Marketing e Planejamento Estratégico da Solar, manter os aspectos tradicionais da bebida foi um compromisso que a marca assumiu para honrar o legado de Norberto Gomes, tanto que os elementos gráficos do rótulo representam a cor do produto e o logotipo à assinatura do seu criador. E Assunção garantiu que o produto que um consumidor bebe hoje é o mesmo em sabor e qualidade ao de 89 anos atrás.

Esse comprometimento geracional foi tanto que, em 2008, os consumidores escolheram a nova identidade visual entre três opções apresentadas por meio de voto popular. A ideia foi um sucesso tão grande em crítica e público que a iniciativa ganhou medalha de ouro de Melhor Estratégia de Marketing no Prêmio Internacional de Excelência em Design (IDEA).