Fragata Valk: os judeus expulsos do Brasil ajudaram a fundar Nova York

Fragata Valk: os judeus expulsos do Brasil ajudaram a fundar Nova York

O ditado popular “a união faz a força” nunca foi subestimado pelos judeus, muito pelo contrário, se atualmente eles são conhecidos por terem se tornado o grupo étnico mais bem-sucedido do mundo, deve-se exatamente por isso.

Eles foram os primeiros a se submeterem à globalização, possuindo uma rede de conexões globais muito antes de as demais nações, e uma comunidade forte e solidária que sempre ajudou os mais pobres a conseguirem chegar em algum lugar na vida através do estudo – um hábito santificado para eles.

E isso não é à toa. A supervalorização e dedicação aos estudos com o senso empreendedorismo os tornou o grupo religioso mais rico dos Estados Unidos desde que emigraram para lá, em 1654. Um estudo do Pew Forum Institute de 2008 mostrou que 46% dos judeus nos EUA ganhavam mais de US$ 100 mil por ano, comparado a 19% dos norte-americanos não judeus. A Forbes confirmou isso com uma lista dos mais ricos dos EUA, dos quais 400 bilionários, 100 eram judeus. Um exemplo disso é que Mark Zuckerberg é judeu, bem como o pai do cofundador do Google, Sergey Brin.

Os judeus estão em todas as áreas que construíram os Estados Unidos — em Wall Street, no Vale do Silício, no Congresso e em Hollywood; e isso só aconteceu porque eles imigraram de vários lugares do globo, inclusive do Brasil, de onde foram expulsos.

Renegados e caçados

(Fonte: BBC/Reprodução)(Fonte: BBC/Reprodução)

Se olhar para como a comunidade judaica se tornou bem-sucedida com o passar do tempo já é algo incrível, entender o quão rápido isso aconteceu, considerando seu histórico de rejeição pelas outras nações, é ainda mais surpreendente.

A odisseia dos judeus que vieram para o Brasil começou em 1536 – apesar de parte dela já datar do século IV –, quando Dom João III instituiu a Inquisição em Portugal, visando convertê-los ao cristianismo – foi com isso que surgiu o termo “cristãos-novos” para diferenciá-los dos “cristãos velhos”, os autênticos devotos ao cristianismo. Comunidades inteiras que se recusaram a morrer ou abdicar de sua fé passaram a se reunir em porões de suas casas para exercer a religião, inclusive aqueles que aceitaram a conversão.

(Fonte: Cooperadores da Verdade/Reprodução)(Fonte: Cooperadores da Verdade/Reprodução)

Contudo, a prática não conseguiu se sustentar por muito tempo devido ao quanto a perseguição se tornou mais ferrenha e generalizada. Em 1540, os cristãos-novos iniciaram seus esforços para fugir daquela configuração de vida, optando pela emigração para o Novo Mundo, que ainda começava seu processo de colonização. 

Em 1492, os sefarditas foram o primeiro movimento migratório de judeus, que deixaram a Espanha após o decreto da rainha Isabel de Castela e do rei Fernando de Aragão expulsando aqueles que não haviam se convertido ao cristianismo. Foi em fevereiro de 1630, com a ocupação holandesa, que os judeus dos Países Baixos, alguns dos quais descendentes dos que haviam fugido da Península Ibérica rumo à Holanda, chegaram ao Brasil.

A maioria deles fazia parte da Companhia das Índias Orientais, fundada nos Países Baixos com o objetivo de acabar com o monopólio econômico da Espanha e de Portugal.

Prosperando em solo brasileiro

(Fonte: Studium Manistici/Reprodução)(Fonte: Studium Manistici/Reprodução)

No Brasil, eles rumaram para o Recife, capital de Pernambuco, onde foram abrigados por parentes já estabelecidos. Eles construíram escolas, sinagogas e cemitérios enquanto professavam sua religião em paz; dedicando-se ao comércio, botânica e engenharia. Toda essa contribuição foi essencial para o enriquecimento da vida cultural e econômica da região.

A grande virada, porém, aconteceu com a nomeação de Maurício de Nassau como governador-geral da Companhia das Índias Orientais. Pensando em uma verdadeira revolução e em transformar Recife na “capital das Américas”, ele investiu em reformas grandiosas, inclusive em mão de obra qualificada daqueles que pudessem contribuir para o crescimento do Brasil – visto que colonos pobres não teriam nenhum proveito.

Maurício de Nassau. (Fonte: La Parola/Reprodução)Maurício de Nassau. (Fonte: La Parola/Reprodução)

Portanto, Nassau trouxe da colônia luso-judaica em Amsterdã alfaiates, médicos, sapateiros, vidraceiros, arquitetos, comerciantes, pedreiros e todo tipo de judeu com alguma especialidade. Era o plano perfeito, sobretudo porque os imigrantes tinham conhecimento de português.

Durante a dominação holandesa no Brasil, os judeus prosperaram religiosa e economicamente, até que Nassau fosse acusado por improbidade administrativa e forçado a voltar à Europa, em meados de 1644.

A jornada do Valk

(Fonte: Nautico/Reprodução)(Fonte: Nautico/Reprodução)

Consequentemente, a dominação neerlandesa no nosso país declinou, e os judeus enfrentaram uma nova onda de perseguição religiosa e econômica que atingiu seu ápice em janeiro de 1654, após a vitória dos portugueses sobre os holandeses no Brasil.

Ao assumir o governo pernambucano, o general Francisco de Barreto Meneses concedeu um prazo de 3 meses para que todos os judeus do Recife liquidassem seus negócios e partissem do território brasileiro para sempre. Alguns se refugiaram no sertão, mas a maioria queria voltar à Holanda, onde o calvinismo permitia que eles exercessem sua religião.

Um dos navios que levou famílias judias embora do Brasil, foi a fragata Valk, que acabou se desviando do caminho por intempéries do tempo, custando várias vidas, e também foi parar nas mãos de piratas. O Valk acabou com 23 judeus a bordo, resgatados por uma fragata francesa e encaminhados à Jamaica, então colônia espanhola, onde acabaram presos pela Inquisição.

Após intervenção do governo holandês, a fragata Valk foi liberta, mas por motivos financeiros, seguiu para um destino mais próximo que a Europa: a colônia holandesa de Nova Amsterdã, atual Nova York, então apenas um entreposto comercial. Foi lá que esses 23 judeus que saíram fugidos do Brasil formaram a primeira comunidade judaica da América do Norte, e ajudaram a construir a cidade, fazendo dela a segunda com o maior número de judeus no mundo depois de Tel Aviv, em Israel.

Da rejeição à prosperidade

(Fonte: The New York Times/Reprodução)(Fonte: The New York Times/Reprodução)

Em meados do século XIX, cerca de 200 mil judeus emigraram para os EUA, vindos da Alemanha e da Europa Central, se espalhando pelo país e montando negócios altamente lucrativos que consolidaram a economia americana.

Entre 1882 e 1924, cerca de 2 milhões de judeus entraram nos EUA da Ucrânia, Rússia ocidental, Polônia, Lituânia, Bielorrússia e Romênia; fazendo do país a maior concentração judaica do mundo, e poderia ter sido maior se eles não começassem a emigrar em massa para Israel quando o governo americano promulgou leis duras que detiveram a emigração.

Ao longo desse período, os judeus enfrentaram a pobreza extrema, comendo pouco e se acumulando em favelas superlotadas e imundas de Nova York, se concentrando mais no Brooklyn e no Lower East Side.

(Fonte: Global Boston/Reprodução)(Fonte: Global Boston/Reprodução)

A década de 1930 conheceu um crescimento econômico considerado na comunidade judaica, com cerca de 20% dos homens judeus em profissões livres, o dobro da taxa de toda a população americana na época. Mas o boom só aconteceu mesmo após a Segunda Guerra Mundial e o horror do Holocausto, quando o antissemitismo enfraqueceu as restrições na contratação de judeus, o que os impedia de prosperar em vários aspectos.

Já em 1957, cerca de 75% dos judeus nos EUA trabalhavam em cargos de poder no país, e essa taxa alcançou impressionantes 87% na década de 1970. Na média geral, os judeus ganhavam 72% a mais do que todos os norte-americanos, e foi assim que eles evoluíram das favelas encardidas de Nova York para o metro quadrado mais bem localizado de Manhattan, trocando uniformes sujos de graxa dos sistemas fabris da Primeira Guerra Mundial para os colarinhos brancos de Wall Street, se tornando o exemplo de sucesso e a definição da palavra elite.