As sandálias de Lampião foram feitas para que ele fugisse da polícia

As sandálias de Lampião foram feitas para que ele fugisse da polícia

Ao ver o pai ser assassinado durante um conflito agrário, Virgulino Ferreira da Silva deixou de existir para dar lugar ao famoso e temido Lampião, considerado o “rei do cangaço” brasileiro na década de 1930.

Ele ganhou o apelido devido à facilidade que tinha em manejar o rifle que, de tanto atirar, parecia um candeeiro aceso nas escuras noites da caatinga. Foi assim que ele se tornou um fenômeno, sobretudo, histórico e político, de um anti-herói ou bandido que nem mesmo a história sabe dizer – e que depende da perspectiva de quem conta. “Não sou cangaceiro por vontade minha, mas pela maldade dos outros”, dizia ele.

O que ninguém pode negar, no entanto, é que sua luta o tornou um dos mais emblemáticos personagens da história brasileira. Nem por isso ele deixou de ser perseguido. Tão famosas quanto seu histórico, foram suas artimanhas para fugir das autoridades. A sagacidade dele foi tanta que Lampião mandou fazer suas sandálias sob medida para fugir da polícia.

O símbolo agreste

(Fonte: Museu do Ceará/Wikimedia Commons)(Fonte: Museu do Ceará/Wikimedia Commons)

Aos 21 anos, um pouco antes de sua vida virar de cabeça para baixo, Lampião era alfabetizado – algo muito incomum para a região sertaneja e pobre onde morava – e sonhava em dar uma vida melhor a sua família. Assim que seu pai morreu, em 1919, durante um confronto com a polícia, tudo isso desapareceu.

Jurando vingá-lo, ele se juntou aos dois irmãos e integrou o grupo do cangaceiro Sinhô Pereira. Três anos depois, Lampião já se tornava o líder do bando em Pernambuco e assassinava o informante que entregou seu pai à polícia. O cangaceiro também realizou o maior assalto da história do cangaço contra a Baronesa de Água Branca, em Alagoas. Ali começavam seus anos de fuga.

Leia também: Quem foi Maria Bonita?

(Fonte: Biblioteca Nacional/Reprodução)(Fonte: Biblioteca Nacional/Reprodução)

Lampião foi perseguido por toda a polícia do Nordeste ao longo de 20 anos, desafiando não só as autoridades locais, como o poder central do Brasil. Ele sequestrava coronéis, assassinava seus inimigos e desafiantes com crueldade, na mesma proporção que distribuía doces para crianças e remédios aos necessitados. Lampião também se fez presente em casamentos, festas comemorativas e até batizados, dançando xaxado e cantando repentes com seu bando.

Além de suas habilidades, o homem ficou conhecido por criar um dress code que acabou se tornando um símbolo cultural por todo o sertão. Ele percebeu que a roupa seria motivo de orgulho dos seus comparsas e imporia respeito por onde passasse. 

Seu apurado e extravagante senso estético incluía símbolos como a cruz de malta (associada aos cavaleiros de Malta), a estrela de Davi (que oferecia proteção mística) e a flor-de-lis (usada nos escudos da realeza francesa). Eles foram alinhados com lenços, broches, anéis, cartucheiras e coletes. Tudo isso o conferiu um ar de realeza.

História sendo feita

(Fonte: Waldemar Cunha/Artesol/Reprodução)(Fonte: Waldemar Cunha/Artesol/Reprodução)

Mas nem tudo era apenas sobre estilo. Lampião também pensou em seu conforto e facilidade para conseguir se safar da polícia quando encomendou uma sandália com o artesão Raimundo Seleiro.

Por meio de um mandante, o homem disse que queria uma sandália diferente, com solado quadrado e sem marca da curva da sola do pé para não indicar qual era a frente do calçado. Desse modo, deixaria uma pegada quadrada na poeira, impedindo que a polícia soubesse sua direção. Ele chegou até a fazer um desenho de como queria suas sandálias.

Seleiro fez exatamente como o cliente pediu. Dias depois quando o capanga veio buscar a encomenda, ele ficou sabendo que era para Lampião. De acordo com seu filho, Espedito Velozo de Carvalho, o pai disse para que levasse a sandália sem precisar pagar.

O filho Espedito foi responsável por carregar a marca de Lampião e o legado que as sandálias se tornaram para a família, fazendo delas o item de moda mais revolucionário da história nacional.